Bom repetir: esse pleito quebrou paradigmas, mostrou que o eleitor sabe votar, castigou quem não compareceu ao confessionário e elevou ao alto o conceito da cidadania ativa, o intenso desejo do cidadão de participar do processo civilizatório. Dito desta forma, parece até que o eleitor tornou-se de repente uma pessoa de alto nível cultural, capaz de entender a política. Nada disso.
Os maiores contingentes eleitorais continuam na vereda da incultura política, amargurados sob o peso de grandes necessidades e o sopro de ídolos populistas. Porém, mesmo sob a teia de mistificação da propaganda eleitoral, pessoas cultas e incultas promoveram o maior espetáculo cívico contemporâneo. Vamos aos “pontos fora da curva”.
Primeiro, a quebra de paradigmas do marketing. A propaganda eleitoral pela TV e rádio já não elege candidato. Sem receptor, inexiste comunicação. Marqueteiros terão de reaprender seu ofício. Segundo, constata-se a força das redes sociais, não no sentido de puxar votos, mas para animar as militâncias com versões para os fatos. Quem lidou bem com as ferramentas digitais ganhou pontos. O impacto na produção de fake news exigirá doravante controles rígidos.
Dos fenômenos inusitados, emerge a mistura de ódio, indignação, revolta e até vingança, receita tradicional de campanhas, mas não com o alto teor explosivo de agora. É muita raiva contra corrupção, rejeição aos velhos costumes políticos e vontade de punir o petismo. O sentimento antipetista foi subestimado Pois bem, o furor contra a semente do apartheid plantada pelo PT causou surpresas.
Outra foi a perda de força do dinheiro na eleição. Os caciques e dirigentes das maiores siglas, repartindo recursos partidários entre os agraciados de sempre, tomaram um susto. Tradicionais figuras saíram de cena em quase todo o país e poucos sobreviveram.
O maior ícone da política, Lula, preso em Curitiba, conseguiu segurar bolsões do interior do Nordeste, mas amarga a possibilidade de ver sua votação em campanhas passadas ser inferior à de Bolsonaro. Mesmo assim, o PT manteve a primeira bancada da Câmara para ser o principal protagonista da oposição.
O fato é que a política brasileira sobe na escada civilizatória, significando autonomia do eleitor, estiolamento das direções partidárias, necessidade de os partidos voltarem a vestir mantos ideológicos, descoberta do voto como meio de mudança. Inaugura-se a fase de autogestão eleitoral e se abre uma distância enorme dos tempos em que os coronéis da Velha República (anos 30) entregavam aos eleitores cédula preenchida e envelopada.
Horizontes sombrios pressupõem uma era de vacas magras. Não se espere do novo governante – provavelmente Jair Bolsonaro – o milagre da multiplicação dos pães. Demandas sociais não serão atendidas plenamente. É incompatível uma política de contenção de gastos com o populismo.
O pleito de 2018 figurará nos Anais da nossa história como aquele em que o poder centrípeto, de fora para dentro, mais oxigenou a democracia brasileira.
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