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O mundo não ajuda

Zeina Latif

O crescimento mundial desacelera e poderá desacelerar ainda mais ao longo de 2019. Isso não é nada bom, pois torna o ambiente econômico mais propenso a acidentes, como na ocorrência de protestos e o enfraquecimento de lideranças políticas. Emmanuel Macron que o diga. De quebra, o mercado financeiro fica mais volátil, o que acaba contaminando o setor produtivo e agravando o quadro.


Apesar de o Brasil ser uma economia bastante fechada, não é imune ao ciclo mundial. Para piorar, há uma assimetria: o País geralmente sofre mais com um ambiente internacional hostil do que se beneficia com a bonança internacional. São várias as explicações para isso: a elevada dívida pública na comparação com países parecidos; o custo-Brasil, que reflete ineficiências e fraquezas estruturais; e as reações muitas vezes equivocadas de política econômica em momentos de dificuldade.


Um exemplo recente foi a pressão na cotação do dólar e nos preços de derivados de petróleo, que, aliada à fraqueza da economia, foi gatilho para a greve dos caminhoneiros. A reação do governo com o tabelamento do frete aumentou o custo da crise. O choque de origem externa acabou tendo impacto terrível no Brasil. E ainda insistimos no erro.


O mundo desacelera por duas razões principais. Primeiro, o menor crescimento da China, em parte intencional, visando conter os riscos advindos do excessivo endividamento no país. Ele também resulta da mudança gradual do modelo de crescimento, em favor do consumo e de setores ligados à tecnologia, em detrimento de setores mais tradicionais. O resultado, pelo menos em um primeiro momento, é o menor crescimento econômico.


Segundo, o aperto das condições monetárias nos EUA, tanto pela alta da taxa de juros pelo Fed como pelo seu programa de redução de ativos em carteira, revertendo aos poucos a expressiva injeção de liquidez em reação à crise global de 2008.


O ciclo de desaceleração mundial provavelmente não se esgotará tão cedo, apesar das políticas de estímulo na China e nos EUA. Há defasagens naturais na reação da economia às políticas conduzidas e nem sempre elas são eficazes. Por exemplo, um aumento do crédito na China levanta dúvidas sobre os riscos crescentes de inadimplência, o que machuca o apetite para investir.


Ainda mais importante é o menor crescimento do comércio global, que não mais se beneficia com a abertura comercial da China e de países periféricos da Europa ocorrida na década passada. Pelo contrário, a agenda protecionista dos países, cujo maior exemplo é a guerra comercial entre China e Estados Unidos, cobra seu preço. A fraqueza do comércio mundial é ducha de água fria nas economias mais abertas, como países europeus e Japão, e também nos países emergentes, principalmente os que dependem do comércio com a China.


Os emergentes patinam, exibindo taxas de crescimento muito mais modestas do que no passado, e isso não é boa notícia para ninguém; nem para os países avançados. Diferente do passado, quando a dinâmica da economia global era praticamente determinada pelas economias avançadas, na última década e meia, cresceu, e muito, o peso dos emergentes no PIB global, havendo evidências de que a dinâmica dos emergentes passou a afetar a dos desenvolvidos.


A desaceleração do comércio mundial é má notícia também para o potencial de crescimento do mundo. O comércio global ajuda a aumentar a produtividade dos países, pelo acesso a insumos e tecnologias mais avançadas, e pela especialização na produção de bens e serviços em que cada país tem maior vantagem comparativa. Impulsiona-se, assim, os ganhos de produtividade no mundo e, portanto, o potencial de crescimento.


O contágio do mundo sobre o Brasil é inevitável, mas poderá ser amenizado se fizermos a lição de casa, as reformas fiscais urgentes. Em meio a um cenário externo repleto de incertezas perigosas, não convém inventar problemas imaginários e conflitos desnecessários.



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