Difícil explicar para a sociedade indignada a complexidade que envolve a
paralisação dos caminhoneiros. Para piorar, ninguém quer ouvir explicações de um governo com reduzida credibilidade. O resultado é o apoio de parcela importante da sociedade à greve.
A raiz da crise está nos equívocos de governos passados, como apontado por Samuel Pessôa. Os caminhoneiros reagiram à queda do seu rendimento e às incertezas em relação ao rendimento no futuro. De um lado, fretes deprimidos pela recessão e pelo crescimento excessivo da frota de caminhões (54% entre 2008 e 2014) estimulado por crédito subsidiado. De outro, o ajuste expressivo do preço do principal insumo dessa atividade, depois de vários anos de preços controlados, que gerou um custo em torno de US$ 40 bilhões para a Petrobrás, segundo especialistas.
A conta do artificialismo na economia tardou, mas apareceu, gerando uma sensação de que toda a culpa da crise é do governo atual, ainda que este tenha sua parcela de responsabilidade. Um governo enfraquecido que não consegue mais aprovar reformas, resistir a pressões de grupos de interesse e restabelecer a ordem.
Os motoristas autônomos e as pequenas transportadoras têm razão em reclamar da flutuação excessiva do preço do diesel, pois não conseguem repassar tempestivamente esse custo ao valor do frete. Além disso, não há mecanismos de proteção (hedge) disponíveis. Mas isso não justifica uma paralisação ampla e duradoura, bloqueando estradas e afetando setores vitais.
A Petrobrás também tem razão de repassar ao consumidor a alta do dólar e do diesel no mercado internacional. É necessário preservar sua solidez financeira e capacidade de investir. Pode-se discutir a forma de repasse, mas não o repasse em si.
O cenário externo mudou, o preço do diesel subiu e a conta precisa ser paga. Em condições normais, parte do choque de custo seria absorvida pelo setor produtivo, e, certamente, o grosso seria repassado ao consumidor final. Na saída desorganizada de agora, o ônus para a sociedade ficou bem mais alto, pelo impacto fiscal e na economia.
A combinação de governo sem credibilidade, apoio da sociedade ao movimento e eleições aumentou a fatura. A redução de R$ 0,46 no litro do diesel é significativa e as demais medidas do acordo lembram o Brasil do passado.
O impacto na atividade econômica não será desprezível. Há destruição de riqueza, como na indústria de alimentos; há perdas que não serão recuperadas, como no setor de serviços (meios de pagamentos e companhias aéreas, para citar alguns); e prejudica-se a saúde financeira de empresas, que poderão ter dificuldades para honrar compromissos. Mais difícil ficará a vida dos desempregados.
Além disso, a imagem do País foi afetada, sendo que as mudanças de contratos, como no caso do pedágio, e o sentimento de vulnerabilidade da Petrobrás podem afastar investidores.
Esse triste episódio revela várias fragilidades do Brasil: a resistência de grupos organizados às reformas estruturais, como o fim de subsídios; a vulnerabilidade da sociedade ao populismo e a fraqueza das instituições. Órgãos de controle não reagiram como deveriam. Atos ilegais dos grevistas não foram condenados e o acordo proposto pelo governo em vários pontos vai na contramão da defesa da concorrência, como apontado por Marcos Lisboa.
O comportamento da classe política e dos poderes preocupa. Com a fraqueza do Executivo, a responsabilidade deveria ser ainda mais compartilhada pelos demais poderes e esferas de governo. Houve oportunismo e omissão de muitos. Os governadores, de uma forma geral, lavaram as mãos, enquanto deveriam participar da solução com a mudança de cálculo do ICMS sobre o diesel e garantir o fluxo nas estradas. Lamentavelmente, alguns presidenciáveis pegaram carona na crise.
Não foram só as mercadorias que sumiram. O espírito republicano e a responsabilidade com o País também.
Zeina Latif, economista-chefe da XP Investimentos
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