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Quem diria, Chacrinha estava certo

Zeina Latif



A forma de fazer política ganha novos contornos diante de mudanças no comportamento social mundo afora. A sociedade atual, conectada, mostra-se mais exigente e, em muitas democracias jovens (ou na falta dela), anseia por maior participação política. Além disso, a capacidade de mobilização aumentou com as redes sociais. Temas aparentemente pequenos podem provocar grandes manifestações, mesmo em um país como o Chile, com indicadores econômicos invejáveis para muitos emergentes.


O aumento da tarifa do metrô foi o estopim para protestos. O governo reagiu com repressão em vez de diálogo. Deu no que deu. O governo errou também ao voltar atrás na decisão e pode ter alimentado a desconfiança dos indivíduos. Afinal, a correção de tarifas não era necessária?


Os novos tempos demandam capacidade de comunicação e diálogo dos governantes. Talvez esse seja o verdadeiro divisor entre a “nova” e a “velha” política.


No Brasil, há elementos adicionais que tornam esse desafio ainda maior: o déficit de credibilidade da classe política por conta da grave crise econômica e dos escândalos de corrupção; a fragmentação partidária no Congresso que dificulta a construção de consensos; e a necessidade de avançar com reformas estruturais que geram perdas de curto/médio prazos localizadas e benefícios difusos de longo prazo. Na ausência de explicações devidas, baseadas em diagnósticos bem fundamentados, a sociedade fica apática e, legitimamente ou não, os grupos afetados tentam bloquear as reformas, pelo medo de perdas. O resultado é a letargia ou reformas aquém do necessário.


Apesar de trabalhosa e até arriscada (quem não tem medo de “panelaços”?), a comunicação pode ser grande aliada dos políticos para obterem apoio da sociedade para enfrentar grupos organizados. O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, é um bom exemplo da nova política que busca estreitar laços com o cidadão.


Com clareza, o documento Reforma Estrutural do Estado visa a apresentar medidas para reduzir o crescimento dos gastos com a folha, o principal problema no orçamento dos Estados. No RS, o quadro é o mais alarmante, pois há mais aposentados e pensionistas (60%) do que servidores na ativa (40%), e a tendência nos próximos anos é de piora, pois a idade média dos ativos é de 51 anos.


O custo para sociedade é duplo, por financiar o rombo da previdência (cada habitante contribui com R$ 1.038 em impostos por ano para isso, sendo o valor mais elevado entre os entes estaduais), e por não contar com serviços públicos de qualidade.


O primeiro passo do documento é a prestação de contas, apresentando à sociedade o que chama de “verdade fiscal”. Apresenta os principais números: os passivos, o crescimento da folha e seus pagamentos em atraso, a dívida pública e o déficit da Previdência.


O segundo passo é explicar que expedientes passados para cobrir o rombo das contas públicas agravaram o quadro e não estão mais disponíveis. É o caso dos saques do Caixa Único, que inclui depósitos judiciais de partes privadas. O documento também explicita as duas liminares ligadas aos pagamentos de precatórios e à dívida com a União, que reduzem o pagamento mensal dessas obrigações.


Diagnóstico feito, o terceiro passo é apresentar as propostas para corrigir o problema fiscal e, assim, aumentar a capacidade de investimentos: a reforma da Previdência, mudança de regras do magistério estadual e servidores militares e mudança do estatuto dos servidores civis.


O governador não se queixa e tampouco aponta o dedo contra governos passados. Ele encara a realidade e olha para frente, apontando o caminho. Em depoimento recente, ele valoriza os servidores públicos e pede ajuda para fazer o ajuste fiscal. Para isso, ele afirma: “É hora de encararmos nossa situação de frente, sem pirotecnias, sem conversa fiada, sem desviar o olho e sem mentiras”.

O governador, ainda tão jovem, começou bem e já tem muito a ensinar.


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