Abro a coluna com uma historinha encaminhada pelo amigo jornalista Neimar Fernandes.
Só queijo francês
"Na longínqua quarta-feira santa do ano de 1969, o jornalista carioca Zózimo Barrozo do Amaral foi preso e levado para o Batalhão da Polícia do Exército, na Tijuca.
No segundo dia na prisão, sua esposa, Márcia Barrozo do Amaral, conseguiu visitá-lo, levando uma cesta da Lidador, fina loja de importados. A cestinha estava repleta de queijos: camembert, brie, roquefort e outras estrelas da fromagerie francesa.
Zózimo, morto de vergonha com a ostentação em pleno território dos que brigavam pela ascensão do proletariado faminto, colocou as iguarias no mesão socialista. Depois, cochichando, deu um toque em Márcia: "da próxima vez traz catupiry."
Dois dias depois daquele banquete lá estava novamente Márcia com outra cestinha de delicadezas. Dessa vez elas falavam o melhor carioquês. Nada de importados. Tinha catupiry, queijo minas e mortadela. Tudo gostoso, e agora politicamente compatível com o cenário espartano do presídio. A turma comeu, agradeceu e foi dormir.
Bezze, "chefe" dos presos, um dos organizadores da célebre Passeata dos Cem Mil pela avenida Rio Branco e membro do Centro Acadêmico Cândido Oliveira da Faculdade de Direito da UFRJ, percebeu a mudança de sotaque no cardápio.
No dia seguinte, chamou Zózimo no canto: "olha aqui, meu prezado colunista, nós estamos presos, jogados neste fim de mundo, mas nem por isso perdemos a nossa dignidade, compreendeu?" Zózimo ficou paralisado. "O que houve? O que foi que eu fiz?"
Bezze explicou: "da primeira vez a sua mulher trouxe camembert, brie, um banquete delicioso. Ontem foi catupiry. Antes que a coisa chegue ao Polenguinho, eu quero te dizer o seguinte: só queijo francês! Do bom! Nós somos socialistas, mas gostamos é de queijo francês, morou?!"
Neimar, com ironia, arremata: Passados 49 anos desse episódio, nada mudou". A esquerda brasileira continua "caviar". E hipócrita.
PS: O episódio consta da biografia de Zózimo Barrozo do Amaral.
O pulso do nordeste
Acabo de voltar do Nordeste, onde passei alguns dias tentando sentir o pulso. Não deu para chegar aos fundões, mesmo assim captei sensações. A onda Bolsonaro inundou capitais e grandes cidades, enquanto o andor do "pai Lula" foi bem conduzido por cidades médias e pequenas. Haddad ganhou aqui e perdeu lá. Há um sentimento generalizado que o petismo agoniza. Incidentes ocorrem aqui e ali, como esse, no Ceará, em que o senador eleito Cid Gomes pediu autocrítica ao PT e chamou petistas de "babacas". No RN, a senadora petista Fátima Bezerra, que disparava nas pesquisas, vê diminuir distância para o candidato ao governo Carlos Eduardo, do PDT.
Cidade fantasma
Impressiona o jeito de "cidade fantasma" que desenha a moldura da capital potiguar. Do aeroporto Internacional de Aluízio Alves, em São Gonçalo do Amarante, até o centro, não se vê uma pessoa nas ruas. A violência é tanta que reduziu as andanças pelas ruas. Quem se aventura a fazer isso, corre alto risco de ser assaltado. Natal dá medo.
Lula... Mas
Não tem havido abandono a Lula ou ao lulismo. O nordestino é e será sempre agradecido pelo bem que recebeu. Emerge por toda a parte muito agradecimento pelo que ele fez. Principalmente nos fundões, onde se espera que seu candidato amplie os benefícios da era lulista. Ocorre que, em paralelo, chega em marolas a história do PT no meio dos túneis da corrupção. Dilma é apontada como a grande responsável por eventual derrocada do lulismo e da crise que o país atravessa.
Duas vertentes
Há, assim, duas vertentes: a do coração, que embala o "santo Lula", e o fenômeno Bolsonaro, que empolga o eleitor das capitais e grandes cidades. As circunstâncias, o ambiente tenso, a facada no capitão, a roubalheira que grassou (a) no país, a bandidagem assassina, enfim, a balbúrdia que gera insegurança, elevam o capitão às alturas. Onde desfruta a posição de "bola da vez".
Nulos e brancos?
Quem leva o eleitor às urnas é a enxurrada de candidatos a deputado estaduais e Federais. Portanto, o lógico seria esperar por uma debandada do eleitor no 2º turno, com abstenção e alto índice de votos brancos e nulos. Esta é a análise do abalizado observador da cena política, Lafaiete Coutinho, a partir de seu posto de observação em João Pessoa. Ele prevê que o eleitor comparecerá bem às urnas e não vai anular o voto. A campanha virou uma guerra entre duas bandas, dois exércitos, duas correntes. Um lado quer vencer o outro. Para tanto, precisa estar na praça de guerra.
Grande vontade
Lafaiete arremata: "O fato de quase todas as eleições nordestinas terem terminado no 1º turno poderia indicar abstenção maior no 2º turno. Dessa vez, não: os eleitores estão motivados e mesmo excitados para votar contra o PT, contra Bolsonaro e ou em nenhum dos dois. Mas é bem provável que Bolsonaro amplie sua vitória nas capitais; não acredito, porém, que a onda crescente chegue aos fundões".
Conflitos
Conflitos violentos, com relatos de agressões, têm ocorrido. Os comitês dos candidatos, principalmente o de Bolsonaro, continuam a agitar ruas e bairros. Multiplicam-se brigas entre eleitores. Há cidades que fazem questão de pontuar: quem não votar em Haddad, receberá um troco; e há recantos fechados com Bolsonaro.
Capitais influenciam?
O voto das capitais influencia o interior? O tema é polêmico. Tivéssemos uma campanha normal, sim. Haveria um processo de capilaridade com tendência de o "voto direcionado" sair do centro para as margens. Mas o ambiente de guerra acaba formando cinturões em torno das cidades, "queimando" o voto no adversário. A fidelização eleitoral tende a ser maior no Nordeste. Ademais, o sufrágio está consolidado. Cada ala bate no peito sua decidida intenção de apostar no escolhido há tempos.
Cabos eleitorais
Governadores eleitos no 1º turno, do PT ou simpáticos a Haddad, se esforçam para aumentar o voto no petista. Querem provar que farão barba, cabelo e bigode. Que são bons de voto. Vê-se esse esforço na Paraíba, no Ceará e no Piauí, com mais intensidade. No contraponto, as alas bolsonarianas reagem com furor, desfraldando suas bandeiras verde-amarelas.
Redes sociais
As redes sociais fazem a articulação das militâncias, mantendo o animus animandi, a agitação. Ciro Gomes foi para a Itália, evitando engajar-se na campanha petista. Apesar do "apoio crítico" a Haddad, persiste a dúvida: será que ele não gostaria de ver a débâcle do PT?
A linguagem
Bolsonaro conquista popularidade na esteira de uma linguagem debochada. Ao rés do chão. Impressiona como o eleitor o vê como um dos seus, comparável a Lula na imagem popular. Não passa a ideia de pessoa culta. Quanto mais rasteira a linguagem, mais parece agradar. O tal "mito" é: mistura de admiração ao militar, jeito simples e desbocado de ser, perfil de xerife que vai matar bandido, identificação da ordem contra a bagunça. Dizer, por exemplo, que os capitães "vão ter um dos seus em Brasília", como falou segunda ao visitar o Bope, no Rio, é coisa que coopta o coração da galera.
Adeus comovido
Tem-se, ainda, a impressão geral é a de que o voto em Haddad no Nordeste tem um jeitão de adeus comovido a Lula.
Fraude
Corre o sentimento de que as urnas eletrônicas são fraudadas por cabos eleitorais do PT em espaços com poucos controles. Ouvi diversas vezes essa denúncia em forma de lamúria. A teoria da conspiração inunda o território.
Furor cívico
Nunca vi e ouvi tanto furor cívico e interesse por eleições quanto presenciei nesses dias no Nordeste. Os nordestinos parecem ter descoberto o poder letal do voto. Fazem questão de recitar e acompanhar com os dedos os nomes dos perdedores da velha política. Sobram risadas após a contagem. O que se vê é um desfile de exclamações e interrogações sobre o amanhã. E ninguém quer comentar sobre eventual "reversão de expectativas", a possibilidade de um eventual governo Bolsonaro falhar.
Mais forte
Em suma, a onda bolsonariana é mais forte que a onda Haddad, com muita dificuldade para o PT resgatar seu peso eleitoral nesse 2º turno. A não ser que o capitão seja flagrado por monumental besteira, uma declaração contra as mulheres ou transgêneros, capaz de queimar sua imagem. Em política, não se pode excluir a possibilidade do Senhor Imponderável de Todas as Horas nos visitar.
A guerra por cargos
A campanha nem chegou ao final e já se vêem grupos e alas disputando espaços no futuro ministério dos dois candidatos. Haddad sinaliza simpatia pelo nome do professor Sérgio Cortella para o Ministério da Educação. Da parte de Bolsonaro, a disputa parece mais aguerrida com indicação de nomes para algumas Pastas. E poucos avançam nas hipóteses de insucesso de governos que terão de administrar a mais forte crise do país em sua contemporaneidade.
Ou lá ou cá
Poucos admitem alternativas como impopularidade do presidente em menos de três meses no cargo, autogolpe (como um general chegou a se referir), pautas retrógradas no Congresso, etc. O fato é que nenhum governo conseguirá o milagre de alcançar popularidade e, ao mesmo tempo, executar uma política de contenção de gastos públicos. E o Brasil não pode transitar mais na via da gastança. Uma coisa ou outra.
Kommentare