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O Marketing Político no Brasil – Três casos

O professor Gaudêncio Torquato descreve três casos de marketing político: JK, Jânio Quadros e de Aluízio Alves.



1. JK: o presidente sorridente


A campanha eleitoral moldada pelo marketing começa a ser sistematizada, no Brasil, um pouco antes da década de 1960. A campanha de Juscelino Kubitschek, iniciada em fins de 1954 e desenvolvida em 1955, com o clímax em 3 de outubro, data das eleições, já contava com alguma sistematização. Pode-se dizer que continha elementos de marketing. Primeiro, apresentava um formidável programa voltado para o desenvolvimento econômico, a ponto de, hoje, identificar-se o juscelinismo com o desenvolvimentismo. Juscelino formou uma boa equipe de campanha, a partir do “banco de cérebros”, composto por especialistas, muitos vindos de sua administração como governador de Minas Gerais. A campanha foi descrita, com detalhes, pelo norte-americano Edward Anthony Riedinger, que escreveu Como se faz um presidente – a campanha de J. K.


O grupo incorporou sugestões feitas pela Comissão Mista Brasil/Estados Unidos. Prometeu mudar a capital para o centro do País. Viajou e discursou mais do que os outros dois principais candidatos – Juarez Távora e Ademar de Barros –, percorrendo o País num DC-3, especialmente equipado com escrivaninha e cama, inaugurando, dessa forma, o primeiro escritório aéreo no Brasil. Apareceu na TV cerca de 100 vezes, gastou duas vezes e meia mais do que Juarez, seu rival mais próximo, utilizando recursos oferecidos por empresas nacionais e estrangeiras. O Comitê Nacional Interpartidário – CNI – montou um grande aparato de comunicação, com a folheteria e os materiais, os contatos com a imprensa, tudo chefiado por Francisco Negrão de Lima, ex-embaixador e primo da mulher de Juscelino. As viagens eram precedidas de contatos feitos por “batedores”, que preparavam o esquema logístico e político, tudo de acordo com uma visão de marketing.


Negrão de Lima, com seu prestígio, arranjava os recursos. Os discursos tinham a colaboração do poeta Augusto Frederico Schmidt e do escritor Autran Dourado. O assessor de imprensa era José Moraes. Kubitschek correu todo o País. Era acusado de corrupto por Carlos Lacerda e a UDN. O lema da campanha era “energia e transportes”, mas ia muito além disso o programa de governo. As metas incluíam a agricultura, indústria básica e educação. Aumentaria a produção de energia elétrica de 3 para 5 milhões de quilowatts; dobraria a produção de cimento e de aço, respectivamente, de 1 para 2 milhões de toneladas e de 2,5 para 5 milhões de toneladas; a produção de alumínio de 2 para 60 milhões de toneladas. E prometia fábricas de tratores, caminhões e equipamentos e fábricas para equipamento elétrico e de construção. O plano chamava-se Diretrizes Gerais do Plano Nacional de Desenvolvimento. Foi preparado por Lucas Lopes. O primeiro comício com o vice, João Goulart, Jango, foi no dia 21 de junho, em um cinema no Rio de Janeiro. Juarez Távora e Milton Campos só foram endossados como candidatos da UDN em 28 de julho. Távora, em algumas viagens, era acompanhado por Jânio Quadros, na época governador de São Paulo, que animava os comícios. Postulavam honestidade e trabalho, justiça e punição rigorosa para aqueles que abusavam do poder como instrumento de interesses particulares. Ademar de Barros foi endossado candidato no início de junho. Era o mais rico. O quarto candidato era Plínio Salgado, já endossado candidato em março.


Kubitschek ganhou com 33,8% dos votos (3.077.411), contra Juarez Távora, com 28,7% (2.610.462), Ademar de Barros, com 24,4% (2.222.725) e Plínio Salgado, com 5,2% (472.037). O Brasil ganhava um presidente simpático e sorridente, boêmio e “pé-de-valsa”, que embalava as serestas ao som da tradicional balada mineira Como pode o peixe vivo viver fora d’água fria?



2. JQ: um ícone do marketing irreverente


O início da década de 1960 abre o ciclo do marketing estereotipado. Estilos, comportamentos, atitudes, símbolos, músicas, caravanas passam a integrar as campanhas políticas. Alguns perfis sobressaíam. Dentre esses, o mais proeminente e interessante foi certamente Jânio Quadros, cuja carreira política registra passagens por quase todas as instâncias da vida política: vereador, deputado estadual, prefeito de São Paulo (duas vezes), deputado federal, governador e presidente da República. Pesquisando sobre ele, Nelson Valente, jornalista e professor, coleciona passagens curiosas que exibem facetas de uma das mais polêmicas figuras da política contemporânea brasileira.


Jânio era um ícone da irreverência. Um político que conhecia profundamente os eixos de formação da opinião pública. Um professor de português, que usava e abusava de inflexões e técnicas da língua portuguesa para ferir adversários, provocar, suscitar controvérsias ou simplesmente fazer rir. Um estudioso de perfis históricos, admirador de Lincoln, o primeiro presidente norte-americano. Um homem com vocação de ditador, para alguns. Um político que sabia criar fatos, um dos mais instigantes desafios da vida política. Um dos mais eficientes criadores, precursores e protagonistas do marketing político.


O discurso semântico de Jânio – a substância de sua fala – ganhava mais força pelo impacto causado pelo discurso estético, a impressão provocada por sua maneira de falar, os olhos esbugalhados, os cabelos compridos e revoltos, a barba por fazer, um jeito desleixado que confundia interlocutores e assistentes: aquilo seria natural, coisa do acaso, ou algo preparado, artificializado? Em Jânio, essa ambiguidade tornou-se marca de sua personalidade. Ficaram famosas suas campanhas em São Paulo, desde os tempos de vereador, quando escolheu o bairro de Vila Maria para montar o primeiro palanque de sua trajetória. Ombros cheios de caspa, sanduíches de mortadela, pão com banana, tudo sob as vistas dos fotógrafos, eram um prato saboroso para a mídia.


Um episódio revelado por Valente mostra como Jânio sabia manipular o gosto das massas. Na campanha pela prefeitura de São Paulo de 1985, contra Fernando Henrique, o senador sociólogo da época, Jânio foi ao bairro de São Miguel Paulista, na zona Leste, reduto de nordestinos. Depois de uma densa feijoada, inúmeras caipirinhas, Jânio não resistiu e caiu na cama. Atrasado, às 18 horas levantou-se, vestiu o terno amarfanhado e colocou uma banana no bolso. Ao começar o discurso, foi logo dizendo: “Político brasileiro não se dá ao respeito. Eu não. Desde as 7 horas da manhã, estou caminhando por este bairro e até agora não comi nada. Então, com licença”. Sob os aplausos da massa, devorou a banana.


Aliás, na mesma campanha em que ganhou de Fernando Henrique, Jânio soube apropriar-se e expressar, de maneira adequada, o discurso de maior apelo para a população: o combate à violência, o combate à corrupção. Enquanto Fernando Henrique tinha um exuberante programa de televisão, bem-produzido, em que discorria sobre os problemas da capital a partir dos bairros, Jânio, em modestos estúdios da TV Record, com a mulher, dona Eloá, doente, sentada ao lado, gritava um discurso com o toque da autoridade, no qual prometia colocar todos os bandidos e sonegadores na cadeia. Passava a ideia do paizão sério e preocupado com a segurança da família. Fernando Henrique, que chegou a posar para fotos na cadeira de prefeito, teve de ver, dias depois, um Jânio irônico e pitoresco, dedetizando a cadeira em que sentou. Jânio virou a campanha, na última hora, contra os prognósticos das pesquisas eleitorais.


Era um criador do que, hoje, chama-se factoide, fatos, eventos e situações exóticas, de sabor artificializado. Em Jânio, o factoide parecia a extensão da personalidade e de seu histrionismo. Nos sete meses como presidente da República, escreveu cerca de cinco mil “bilhetinhos”, desde aquele que proibia briga de galo. Os bilhetes acompanharam Jânio em todos os lugares, na prefeitura de São Paulo e no governo do estado. Sabia, como ninguém, usar a simbologia de campanha. Em 1985, a vassourinha foi o símbolo que tomou o País, na esteira de uma campanha que tinha como mote “varrer a corrupção e a vagabundagem”. O repertório engraçado e cênico desse mato-grossense que fez carreira política em São Paulo abria, inevitavelmente, espaços na mídia, onde ele estivesse. No exterior, em Londres, adoentado, Jânio ditava bilhetes que, no dia seguinte, tornavam-se manchetes nos jornais paulistas. Era mestre em provocar a imprensa, passar reprimendas em repórteres, usar com propriedade a autoridade que detinha. Certa feita, na subida da rua Bela Cintra, em São Paulo, os carros, parados, começaram uma infernal buzinada. Até o momento em que os motoristas viram sair de um carro preto o prefeito Jânio Quadros, num dia de “incertas” e surpresas, coisa que adorava fazer. Pedia ao motorista para anotar as placas de todos os carros que buzinavam. O silêncio foi se refazendo, à medida que os motoristas descobriam quem era a figura estranha que aplicava as multas. Jânio impunha respeito. Carregava, consigo, a força da autoridade.


Jânio apreciava a bebida. Bebia de tudo, mas, nos últimos anos de vida, contentava-se em sorver garrafas de vinho do Porto. Quando disputou o governo do estado contra Ademar de Barros, na eleição de outubro de 1954, este contratou um repórter para pegar Jânio na pergunta capciosa: “Por que o senhor bebe?” De pronto, Jânio deu o troco: “Bebo porque é líquido. Se fosse sólido, comê-lo-ia”. O repórter, sem graça, saiu de fininho. Os despachos de Jânio constituem um capítulo à parte no folclore político que construiu. As historinhas são maravilhosas. Certa vez, respondendo a uma senhora que intercedia em favor das sociedades protetoras dos animais, sugerindo criar um setor de defesa dos irracionais, o presidente respondeu: “Minha amiga, seu apelo, em favor dos irracionais, encontra-se às voltas com terríveis problemas de amparo e proteção a outra raça tão digna de cuidado entre nós, a dos racionais”.


Em Jânio, forma e conteúdo eram um conjunto indissociável, tão imbricado que não se percebia em que ponto se iniciava um e terminava outro. Jânio era o criador e o operador de seu próprio marketing.



3. AA: o verde da esperança


O marketing político, no início da década de 1960, ganhou um colorido todo especial com a campanha de Aluízio Alves, no Rio Grande do Norte. Jornalista, companheiro de Carlos Lacerda na Tribuna da Imprensa, onde foi redator-chefe, deputado federal aos 23 anos, cargo que ocupou quatro vezes, Aluízio, natural de Angicos, fez a mais vibrante campanha de governo estadual de 1960, desenvolvendo uma trajetória que abriria espaços para a criação e consolidação da maior estrutura política do Rio Grande do Norte, nos últimos 40 anos. Pela criatividade de seu estilo de fazer política e importância de suas campanhas para o marketing político, selecionei passagens de sua vida, algumas contadas por ele mesmo em conversas pessoais com este autor. Organizou, como deputado, a campanha “Um amigo em cada rua” – 160 comícios em 16 dias e as Vigílias da Esperança. E, na campanha de 1960, de certa forma, iniciava-se a profissionalização das atividades de marketing. Aluízio já carregava boa experiência das lides eleitorais. Com Lacerda, participou ativamente da campanha udenista contra Getúlio Vargas. Aluízio Alves, portanto, deputado federal, não era jejuno. Arrumou um eficiente discurso e criou um dos mais eficazes sistemas de mobilização popular de que se tem notícia. Contratou pesquisas do Ibope a um precursor do marketing político, Albano, que orientara, em Pernambuco, a campanha vitoriosa de Cid Sampaio. Não gostou do plano que ele apresentou. Ficou apenas com as pesquisas. Preferia guiar-se pelo próprio feeling. Agia com apurada intuição. Se o adversário, Dinarte Mariz, chamava-o de tuberculoso, respondia, para gáudio das massas: “É melhor ter tuberculose no pulmão do que ser tuberculoso das idéias”. Transformava aparentes qualificações depreciativas feitas pelos adversários em aspectos positivos. Ganhou um apelido, “cigano”, que fez sucesso.


O próprio Aluízio Alves conta: “Em Pau dos Ferros, o adversário (Djalma Marinho, apoiado por Dinarte Mariz) fez comício na véspera da minha chegada. E salientou que tinha uma vida organizada, com escritório de advogado em Natal, etc., enquanto eu andava pelo estado, de dia e de noite, sem almoçar ou jantar na casa dos líderes que me apoiavam, se dormia era nas estradas. Os amigos ficaram revoltados. E foram me esperar a dois quilômetros da cidade, para contar o episódio e dizer que o povo todo estava aguardando a minha resposta no mesmo tom.


“Ouvi as recomendações e fui para a cidade. Lá, a multidão ansiosa. Peguei o microfone e disse: ‘Pau dos Ferros, o cigano chegou’. Sob aplausos constantes e cada vez mais entusiastas, comecei a ler as mãos do povo, como se fosse ‘cigano’: a mão do agricultor, da dona de casa, do comerciante, do estudante. Foi um sucesso, que passei a repetir em outros lugares, sobretudo depois que dona Guiomar Morais, ainda hoje residente em Pau dos Ferros, fez a música do ‘Cigano’, que logo se espalhou por todo o estado e passou a ser ‘Cigano feiticeiro’, porque na letra falava que o cigano a enfeitiçara.

“Outros episódios: à medida que meus comícios cresciam, em Natal, os adversários começaram a se impressionar e trataram de desvalorizar aquelas multidões, dizendo que o povo não se assombrasse com aquelas multidões, pois a grande maioria era de ‘gentinha’ analfabeta e de ‘crianças’, que iam se divertir, mas não votavam.


“A partir daí, adotei posições: dirigia-me à ‘minha querida gentinha’ e anunciava que tinha um segredo para dizer às crianças: elas podiam votar, mas eu só ensinava perto das eleições. E, assim, elas continuavam a ir aos comícios e a me procurar, com centenas de ‘lenços verdes’.


“O povo gostou a tal ponto que, quando não dispúnhamos mais de lenços verdes para dar à multidão, esgotados os tecidos no comércio da capital, do interior, de João Pessoa, Campina Grande, explicávamos: ‘A minha gentinha não precisa de lenços, que são caros. Cada um, na sua pobreza, faz o seu lenço: arranca um galho de árvore e ele será lenço e bandeira’. E aí, no exagero do entusiasmo, havia correligionários que levavam galhos de mamoeiro, cachos de bananas, cocos verdes, que levantavam na hora de aplaudir. E durante a noite inteira. Ainda não existia o Ibama.


“Os comícios e as passeatas atravessavam a noite e a madrugada. No começo, de 20 horas até 6 horas. Depois, sábado à noite, dia e noite de feriados. Por quê? Porque, em 1958, eu fazia dez comícios em Natal (160 em 16 dias) e o interior reclamava. Fiz a experiência em Parelhas. Saí de Natal às 23 horas, estrada de barro e buracos, cheguei às 4 horas, apenas para acordar os líderes e pedir desculpas. O povo estava todo na praça, cantando os hinos da campanha”.


A cor verde, ampliada, massificada, a ponto de chegar nas cumeeiras das casas mais distantes, por meio de bandeiras e bandeirolas que tremulavam ao vento, transformou-se num grande laço de integração do eleitorado. O verde era a metáfora da esperança. Até hoje, no Rio Grande do Norte, casas modestas, em recantos bucólicos, ainda exibem vestígios esverdeados da famosa caravana da esperança.


Nos comícios, o povo portava galhos verdes, que substituíam os lenços verdes, simbolizando a pobreza, o despojamento, a espontaneidade popular e o culto à natureza. Era uma campanha estruturada na voz, na força, na mobilização do povo. A campanha do pobre contra o rico, do opressor contra o oprimido. Aluízio cercava-se de símbolos, cores e músicas. Uma delas, de letra enorme, chegou a inserir, de maneira melódica, a palavra (palavrão para um compositor) “industrialização”. Era uma espécie de hino-programa, descrevendo compromissos nas áreas da agricultura, energia (da hidrelétrica de Paulo Afonso), educação, melhores salários para o trabalhador. Desenvolvimento, em suma, era o eixo que unia os temas.


Nos comícios, o discurso de Aluízio, expresso em voz muito rouca, produto de noites não dormidas, caminhadas por estradas poeirentas, muito calor e má alimentação, carregava nas imagens fortes. Os personagens recorrentes eram as famílias pobres, mães raquíticas que carregavam os filhos seminus nos braços, agricultores de enxada no ombro, biscateiros, empregadas domésticas, pescadores, enfim, “a gentinha”, uma ferramenta de mobilização (revoltada, “a gentinha” se avolumava cada vez mais nos comícios) e mais um canhão para destroçar as baterias adversárias. As crianças constituíam outro braço importante da campanha. Aluízio chegou a fazer comício só para crianças. E pedia a elas que, no dia da eleição, acordassem às 6 horas, batessem na porta dos quartos dos pais para acordá-los: “Papai, mamãe, vovô, vovó, todos, está na hora de acordar para votar em Aluízio”. Depois de seu famoso Comício das Crianças, o juiz de menores proibiu outros comícios semelhantes. Aluízio mandou imprimir 10 mil cartões com seu retrato e, no verso, escreveu uma “carta à criança proibida”. E ele mesmo, nas ruas, passou a distribuir a carta.


A simbologia foi usada com eficácia. De sua própria voz, ouvi algumas histórias, dentre as quais selecionei duas, para caracterizar seu estilo. A primeira foi sobre as caravanas de andarilhos que corriam as cidades. Aluízio saiu da capital, Natal, para Mossoró, a maior cidade, no meio do Estado, num arrastão político que mais se assemelhava a uma peregrinação religiosa. Tinha muita mística. No meio da andança, contou ele, viu uma mulher esquálida, na beira da estrada, com a filha esquelética nos braços. A mulher se aproximou, sem falar palavra, e a filha, olhos mortíferos, abriu lentamente a mão, onde estava uma pequena moeda de 10 centavos, a única coisa que aquela família podia dar para a campanha do tostão contra o milhão. Aluízio recebeu a ajuda, passou a relatar esse caso em todos os comícios, com o adendo de que, depois da realização do primeiro grande compromisso, estaria ao lado daquela menina. Vitorioso, Aluízio cumpriu o prometido. Na inauguração da energia de Paulo Afonso, foi a menina que acionou o botão das máquinas. Aluízio compreendeu que precisava prolongar os ganchos de marketing da campanha, atualizando-os e dando a eles novos significados.


Ele sempre foi perito na arte de transformar o negativo em positivo, em dar brilho a coisas foscas ou, como diz o vulgo, em tirar leite de pedra. Na campanha para prefeito de Mossoró, em 1968, foi chamado para ajudar o correligionário Antônio Rodrigues, identificado com as causas dos pobres, contra o intelectual Vingt-Rosado, agrônomo e escritor de muitos livros, e integrante da famosa família Rosado, cujos nomes masculinos eram grafados com o alfabeto numeral francês (as mulheres recebiam a designação feminina ème- Trezième era uma delas). Era a campanha do “touro” – Vingt-Un – contra o “capim”, Toinho. Mas este tinha um grave problema: era alcoólatra. Aluízio chegou para encerrar a campanha, viu uma pesquisa que dava derrota para seu candidato e percebeu que a fama de beberrão de seu candidato era o problema, principalmente para as mulheres e os jovens. Chamou Antônio Rodrigues e a mulher, mostrou a situação e disse que iria tocar no assunto no comício. Foi um deus-nos-acuda: “Pelo amor de Deus, não toque nisso, pois só vai complicar”. E Aluízio: “Deixem comigo, vai dar tudo certo”. Começou assim o discurso para a multidão atenta: “Tenho aqui uma pesquisa que diz: se forem apurados 20 mil votos, meu candidato aqui presente perderá a eleição por 4 mil votos.” Ouviu-se um sussurro de estupefação e contrariedade. Aluízio foi em frente: “Passei no açougue e perguntei o preço da carne. Não dá para pobre nenhum comprar. Passei na farmácia e vi os preços. Os remédios custam os olhos da cara. Passei na padaria. A mesma coisa”. Aluízio desfilou histórias de compadres e comadres que se queixavam da carestia. Mostrava intimidade com pessoas das cidades, citando seus nomes, descrevendo suas casas e filhos. E foi arrumando o final do discurso: “Desse jeito, ninguém agüenta. E não há outro jeito. O negócio é deixar as dores, as amarguras, as angústias na bodega. O pobre, que não tem dinheiro para pagar meio quilo de carne, pede um oito de cachaça e vai dando sua bicadinha. Pobre mata suas mágoas na velha cachaça. Rico, esse sim, pode beber uísque. Vocês sabem quanto custa uma garrafa de uísque? Com o mesmo valor dá para comprar 30 garrafas de cachaça. Pois Vingt-Un só toma uísque. Agora, imaginem o dr. Vingt-Un, prefeito eleito, no seu gabinete. Chega um pobre, fedendo à cachaça, e diz que precisa falar com o senhor prefeito. O assessor vai logo dizendo que o prefeito está em reunião. E assim, cada um vai chegando e recebendo a mesma negativa. Pobre, com dr. Vingt-Un, não tem vez. Imaginem, agora, Toinho como prefeito. Chega lá Zé Peixeiro, com aquele bafo de cachaça, para falar com ele. O assessor, um sujeito simples, pede um minutinho e avisa: Toinho, Zé Peixeiro tá lá fora querendo falar com você. Só que está com aquele bafo. E Toinho, mais que depressa, pede: ‘Mande, já, o colega entrar.’’’


A multidão, a essa altura, irrompia em aplausos e gritos. As mulheres que faziam restrições a Antônio Rodrigues passaram a levantar os braços em apoio a Aluízio, que arrematou: “Toinho bebe a bebida do povo. Toinho bebe para afogar as mágoas, como faz o povo. Toinho é povo, Toinho é a cara de todos vocês. Podemos ganhar esta campanha. Basta que cada pessoa se torne um grande cabo eleitoral, buscando mais votos. Vamos sair daqui com uma missão: ganhar a luta”. A multidão saiu acesa. Cada participante partiu com vontade. Antônio Rodrigues ganhou a campanha por 98 votos. Foi a consagração da metáfora do beberrão, que bebe cachaça para afugentar as mágoas. A cachaça, como o gole mais barato da ilusão nacional, não travou na garganta dos eleitores. Ficou amaciada pelo fermento da retórica aluizista, que, naquela noite, falou por 2 horas e 50 minutos, com a voz rouca. Na campanha de Mossoró, em 72 horas, ele falou 138 vezes.


Aluízio Alves fez uma biografia usando apenas a memória. Exerceu sete mandatos de deputado federal, governou o Rio Grande do Norte por cinco anos, foi ministro de Estado em dois governos, foi secretário-geral da UDN, membro da Comissão Executiva do PMDB. Se alguém lhe pergunta quem orientou sua campanha de 1960, ele responde: o povo. Em seu livro, Aluízio Alves, o que não esqueci, falando de seus êxitos, confessa: “O meu mérito terá sido o de viver e fazer da vida uma campanha, uma luta, um trabalho e alguns sonhos. Uns realizados, outros não”.

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