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Entrevista Gaudêncio Torquato para o Jornal Opção

Eleitor quer bolso cheio, barriga cheia e coração agradecido, diz consultor político e doutor da USP

01/09/2018 23h50 Por Rafael Oliveira Edição 2251




Professor menciona o fenômeno “bobacor”, frisa que Bolsonaro deu banho na Globo, mas pode ser “massacrado” por adversários. E sugere que Haddad não deve ser subestimado.

O cenário eleitoral na disputa ao Planalto está aberto e com pouco favoritismo para um ou outro candidato. As peças se movimentam e as intenções de voto mudam constantemente. O ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT) deve ser oficializado candidato à Presidência da República no lugar de Lula até 20 de setembro e o ex-presidente vai mudar as estratégias de campanha para transferir votos ao correligionário. Na direita brasileira, o capitão da reserva Jair Bolsonaro (PSL) tem apenas o palanque digital para se manter na liderança da disputa e vai enfrentar a poderosa campanha de televisão do ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin (PSDB), que terá o militar como principal alvo de desconstrução.


Entrevistado com exclusividade pelo Jornal Opção, o professor titular de Comunicação e Editoração da Universidade de São Paulo (USP) Gaudêncio Torquato, de 73 anos, analisa a polarização entre direita-centro-direita (Bolsonaro e Alckmin) e esquerda (Lula/Haddad) como forte tendência devido ao desprestígio da classe política.


Para Torquato, Alckmin pode crescer entre o eleitorado quando a chamada “onda racional” aparecer no meio da sociedade e analisar os candidatos friamente. Neste momento, o professor explica que as pesquisas refletem o lado emocional dos eleitores que brigam entre a ordem, representada por Bolsonaro, e a bagunça, vista como representada pelo grupo de Lula da Silva.

Na interpretação de Gaudêncio Torquato, os candidatos precisam explorar dois temas: emprego e segurança pública, áreas muito demandadas nas pesquisas qualitativas. “O eleitor vai votar em quem tiver discurso coerente e compromisso com o eleitor”, afirma o consultor político.


O que efetivamente leva às viradas eleitorais que temos presenciado nos últimos anos? Quais critérios o eleitor leva em conta neste processo?

O eleitor quer votar no candidato que vai trazer esperança. Eu tenho uma equação que denominei como “bobacor”: bolso cheio, barriga cheia, coração agradecido e cabeça feita. O eleitor quer identificar nos candidatos o perfil que apresente tudo isso. Quando o eleitor descobre essa mensagem, ele acaba votando porque acha que o político vai ajudá-lo e ele vai ter uma vida melhor. A esperança é o grande valor que os eleitores querem descobrir nos candidatos.


O sr. aposta na polarização entre Jair Bolsonaro, Fernando Haddad e Geraldo Alckmin na disputa presidencial?

Existe esta tendência no ambiente político e institucional que estamos vivendo. A esfera política nunca esteve tão desprestigiada e com a imagem no fundo do poço. Diante desse ambiente de tensão e conflitos, a tendência é posicionar os militantes de um lado e de outro. Bolsonaro passou a ser o antídoto do petismo e do combate à violência. Ele se tornou um símbolo da ordem contra a bagunça e o PT quer voltar a trabalhar com o conceito do Brasil feliz de novo, lembrando o primeiro mandato do governo Lula da Silva, no qual a massa teve acesso ao consumo. Querem passar uma borracha em cima dos últimos anos do petismo e tentar apagar esse buraco imenso. Geraldo Alckmin tem um estilo mais harmonizador, mas vamos esperar o programa eleitoral e verificar se vai trazer a onda racional da população.


O que significa voto racional?

Esta onda é o voto que vem da cabeça. Trata-se daquele eleitor que olha para um lado e outro e toma uma decisão consciente. Alckmin tende a crescer e surfar nesta onda de eleitores. O que se vê no momento é uma onda muito emotiva que tende a votar no Bolsonaro de um lado e Lula da Silva/Haddad de outro. Acredito que, até o dia 15 de setembro, teremos um quadro político mais claro depois dos programas eleitorais. Os spots publicitários, que se apresentam ao longo do dia, têm uma importância muito grande porque o pegam o eleitor desprevenido. Durante o dia todo receberemos uma bateria muito grande de conteúdo do Geraldo Alckmin, pelo tempo de TV que construiu, e o PT também tem espaço razoável para se apresentar. Jair Bolsonaro vai ter que usar seus spots publicitários de forma criativa e se amparar nas redes sociais, que são sua principal plataforma. Infelizmente, o Brasil voltou a ter essa polarização, que, diga-se de passagem, foi criada pelo PT com a ideia de apartheid social: nós [PT] somos os “bonzinhos” e eles [PSDB] são os “bandidos”.


A polarização funcionou, professor?

Claro. O PT é responsável pela divisão do País. O Brasil está rachado ao meio, uma banda querendo ressuscitar Lula e a outra querendo enterrá-lo.


Quais as especificidades desta eleição? O que mudou de 2014 para hoje?

O eleitor está desconfiado do político. Ele quer ver o político olho no olho, mão a mão, cara a cara e ombro no ombro. A população não acredita mais em promessas mirabolantes de campanha e quer votar no candidato que tenha a ficha limpa, passado limpo e não esteja envolvido em Lava Jato, Mensalão, Petrolão e outros escândalos. O político precisa ter compromisso com o eleitor e linguagem coerente. De forma geral, o eleitor não quer mais o engodo e a mentira. O que eles buscam é alguém que possa resolver seu problema, lhe dar um emprego e esperança. Os candidatos precisam explorar dois aspectos: emprego e segurança.

O eleitor busca então um candidato que não seja político profissional? Isso explicaria o crescimento eventual do candidato João Amoêdo?

Amoêdo representa o elemento novo, mas padece da falta de tempo na televisão e rádio. A campanha mais curta de rádio e TV favorece os políticos mais conhecidos e acaba beneficiando os nomes tradicionais. Jader Barbalho, no Pará, e Renan Calheiros, em Alagoas, são figuras tradicionais. A possibilidade de renovação é pequena. No Congresso Nacional a renovação não deve chegar a 40% das vagas, enquanto a média histórica é de 50% a 60%. Amoêdo, infelizmente, não tem muito tempo para aparecer. Ele é um candidato com bons pensamentos liberais e o partido dele, o Novo, tem algum futuro. Não agora, e sim mais pra frente pode encampar uma renovação no Brasil.


O Amoêdo é motivo de preocupação para os concorrentes?

Não acredito que Amoêdo será o azarão deste pleito. A não ser que se apoie na ruindade dos outros candidatos, na falta de unidade e tenha uma boa estratégia de campanha. Neste caso, a classe média pode trazer alguns votos para ele.


Alckmin conseguiu o melhor tempo de televisão, comparado com os adversários, mas é tachado de “picolé de chuchu”. O eleitor não vai enjoar de vê-lo na televisão à exaustão?

Vamos ver. Talvez aconteça nos programas cheios de televisão; aquele de uma hora realmente é maçante. Por isso ele deve apostar nos spots publicitários que passam ao longo do dia. Estes comerciais terão mais influência eleitoral e vamos aguardar a criatividade de criação dos spots, talvez o eleitor não tenha uma rejeição à imagem dele. Acredito que a comunicação vai caprichar no conteúdo de massa e de redes sociais também. Muitos eleitores se ligam mais nos meios digitais, apesar da propaganda tradicional ser bem forte. Ninguém duvide não. Outro ponto que a comunicação vai observar é que temos mais de 100 milhões de internautas, mas grande parte deles não tem acesso aos conteúdos de propaganda política.


Qual vai ser o papel das redes sociais?

Elas vão animar a militância ativa contra os outros, os adversários. Não acredito que as redes sociais serão capazes de agregar votos e, se conseguirem, vão ser poucos votos. Um ou outro candidato vai usar bem as redes sociais, mas ainda não a vejo com capacidade de atrair grandes contingentes eleitorais.


Bolsonaro vai ser “massacrado” pelos adversários e Haddad não deve ser subestimado

Bolsonaro pode ir para o segundo turno fazendo campanha nas redes sociais? Ele já mantém os 19% de intenção de voto?

É a grande dúvida. Vai ser difícil sustentar 19%, 20% de votos em redes sociais só. Ele vai ser massacrado pelos adversários na televisão e no rádio. Com certeza vai ser alvo de ataques de Geraldo Alckmin, Fernando Haddad, Henrique Meirelles, Ciro Gomes. Bolsonaro vai ser aquele alvo fácil para todos. No entanto, ele conseguiu essa quantidade de eleitores no recall do trabalho que tem feito há muito tempo. Há uma imagem cristalizada. Não é de hoje não. Ele tem usado essa metralhadora giratória na boca há anos. Podemos dizer que sinaliza hoje a ordem contra a bagunça, o pessoal vê nele aquele militar que pode arrumar as coisas.


Mesmo recluso, o ex-presidente Lula da Silva vai conseguir transferir votos para Fernando Haddad?

Lula preso está fazendo mais barulho que Lula solto. Ele transformou a prisão em Curitiba num escritório de campanha. Todo dia recebe visita de advogado e gente do PT. Então está num “bem-bom”. Acredito que ele vá conseguir uma boa parcela de votos, mas não em sua totalidade. Se conseguir uns 15 a 18%, Haddad tem chances de ir ao segundo turno. Ao contrário do que muitos falam, o petista não está fora do jogo.


O sr. disse em um artigo que a Rede Globo quer derrubar o presidente Michel Temer (MDB). Qual a importância da imprensa na formação da opinião pública?

A televisão pode gritar, gritar e gritar, mas o problema é que não há militância nas ruas. A Rede Globo tentou derrubar o presidente Michel Temer, mas não conseguiu. A televisão está focando hoje em mobilização social e criar suas massas nas ruas, como as que ocorreram em junho de 2013, mas não conseguiu muita movimentação. São os gatos pingados que ainda fazem algum barulho, como os movimentos sociais do MTST, CUT e outros. Não há uma mobilização social no País. Bolsonaro foi à TV Globo e, na minha visão, deu um banho no William Bonner e na Renata Vasconcellos. Apesar de discordar do conteúdo do discurso dele, na minha avaliação ele se saiu bem na entrevista. O poder da imprensa é limitado. Veja que o Bolsonaro conseguiu: 175 mil seguidores nas redes sociais após o desempenho dele na Globo.


“Candidato com alta rejeição precisa ser levado para a UTI eleitoral”


Como o sr. avalia as campanhas que estão sendo feitas nesta eleição? Em um artigo, disse que a rejeição a um candidato é algo muito sério.

Existem três tipos de campanha. Aquela na qual o candidato se elogia, na qual o candidato diz “eu fiz, eu faço, eu farei”. Como as campanhas de Lula da Silva no País e de Paulo Maluf em São Paulo. Trata-se daquela campanha cinematográfica. A segunda é sobre destruição dos adversários, que será muito usada contra Bolsonaro. Eles vão dizer que os problemas não se resolvem na bala. Mas é uma campanha muito perigosa porque, se não for bem-feita, se volta contra quem a fez. É preciso ter muito cuidado com essas campanhas negativas. O terceiro tipo de campanha é a da comparação de um perfil com o outro, normalmente tentando administrar a rejeição. Sempre digo que o candidato com alta rejeição precisa ser levado para a UTI eleitoral. A rejeição sugere o seguinte: eu não voto nesse cara de jeito nenhum. João Doria, por exemplo, vai ter que explicar porque deixou a Prefeitura de São Paulo para ser candidato a governador. O eleitor dele não admite que tenha feito isso. Tem muitos candidatos a governador com mais de 25% de rejeição. Não consigo imaginar como um candidato desses vai ao segundo turno da eleição. Então são os três tipos de campanha que nós temos visto. A campanha baseada no autoelogio precisa ser bem-feita, senão o candidato se torna antipático.


Como explicar os políticos que se elegem ou se reelegem mesmo com altos índices de rejeição?

Geralmente é o uso da máquina pública, o uso do poder econômico, a proximidade com o eleitor e, na última hora, o eleitor analisa o quadro e acaba votando naquele candidato mesmo por falta de opção. Por falta mesmo de ter outro candidato menos pior. Os velhos políticos dão um banho de proximidade com o eleitor. É preciso entender que o processo de renovação política é lento. Basta ver a questão da presença feminina na política. Analise a mesa diretora de um partido político ou de um órgão político, tem duas ou três mulheres no máximo e tem mais de 20 homens. E as mulheres são a maioria da população — quase 53% do eleitorado.


A última eleição suplementar no Tocantins teve 60,91% de abstenção, votos brancos e nulos no segundo turno. Isso pode representar mudança no eleitorado brasileiro?


Não. Na última hora o eleitor acaba pensando que, se não for votar, alguém estará votando por ele ou estará facilitando a eleição de outro candidato.


O próximo presidente eleito vai ter dificuldade com o Congresso Nacional?

Ele vai ter muita dificuldade com o Legislativo se não souber trabalhar com a realidade que acontece lá dentro. O presidente vai precisar ter uma boa articulação no Congresso para fazer as reformas. Se não fizer as reformas, não vai conseguir ter governabilidade. As reformas Tributária, da Previdência e Política são absolutamente necessárias e aí o presidente vai precisar ter um grande poder de articulação política, senão vai dançar.



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