O decano do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Celso de Mello, disse nesta terça-feira que é “inconcebível” que ainda haja resíduo de autoritarismo dentro do Estado brasileiro. Relator do inquérito que investiga se o presidente Jair Bolsonaro tentou interferir politicamente na Polícia Federal, Celso disse que é preciso resistir “com as armas legítimas da Constituição e das leis do Estado brasileiro” e observou que “sem juízes independentes, jamais haverá cidadãos livres neste País”.
Em um discurso endereçado a Bolsonaro, ainda que sem mencioná-lo explicitamente, Celso criticou a postura “atrevida” de não se cumprir ordens judiciais. No mês passado, o presidente da República disse que não entregaria seu celular, mesmo se houvesse decisão da Justiça nesse sentido. O pedido de partidos da oposição para apreender o aparelho do presidente, no entanto, acabou arquivado pelo próprio ministro.
“Esse discurso (de não cumprir decisões judiciais) não é um discurso próprio de um estadista comprometido com o respeito à ordem democrática e que se submete ao império da Constituição e das leis da República. É essencial relembrar a cada momento as lições da história, cuja advertência é implacável, como assinalava o saudoso ministro Aliomar Baleeiro: ‘Enquanto houver cidadãos dispostos a submeter-se ao arbítrio sempre haverá vocação de ditadores’. É preciso resistir, mas resistir com as armas legítimas da Constituição e das leis dos Estado brasileiro e reconhecer na independência da Suprema Corte a sentinela das liberdades”, disse o decano.
A fala do decano foi feita durante a sessão da Segunda Turma, quando integrantes do STF saíram em defesa da democracia, da Constituição e da atuação de juízes, além de condenarem os ataques ao tribunal, em meio à escalada de tensões na relação com o Palácio do Planalto.
Ao longo das últimas semanas, o Supremo tomou uma série de decisões que contrariaram os interesses do Palácio do Planalto, como a suspensão da nomeação de Alexandre Ramagem para a direção-geral da Polícia Federal, a proibição da expulsão de diplomatas venezuelanos, a limitação do alcance do salvo-conduto a gestores públicos e o entendimento de que prefeitos e governadores têm autonomia para tomar iniciativas de combate ao novo coronavírus.
Coube à presidente do colegiado, ministra Cármen Lúcia, abrir a sessão demonstrando, em suas próprias palavras, “preocupação” com o cenário nacional. Atentados contra instituições, contra juízes e contra cidadãos que pensam diferente voltam-se contra todos, contra o País. A nós, cabe manter a tranquilidade, mas principalmente a coragem, a dignidade de continuar a honrar a Constituição, cumprindo a obrigação que nos é expressamente imposta de guardá-la para garantir a sua aplicação a todos e por todos. Constituição não é um artifício e direitos não são de menor importância, são conquistas”, observou a presidente do colegiado, ministra Cármen Lúcia.
Comments