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As lágrimas do comediante

Gaudêncio Torquato, em breve ensaio, explica a razão pela qual o eleitorado desconfia de lágrimas e choros dos comediantes da política.


As lágrimas do comediante, disse um dia Diderot, escorrem de seu cérebro; as do homem sensível jorram de seu coração. Na política, também é assim. Os políticos, como os atores, vivem de representações. E criam projeções que passam a se confundir com os personagens que representam. Poucos, muito poucos, podem dizer que o “eu” e o “ele” são a mesma coisa. Alguns construíram seus perfis sobre um conceito negativo, que, de tanto lapidado e moldado às circunstâncias, passou a ser aceito pelos cidadãos. É, por exemplo, o caso do “rouba mas faz”. Muitos estendem o ciclo de vida política graças à caricatura que moldaram. É o caso de políticos com o carimbo de “obreiros, estradeiros, fazedores, desenvolvimentistas”.


Até os dias de hoje, os comediantes têm impressionado seus públicos não por estarem furiosos, mas por representarem muito bem o furor. Mas o ciclo dos histriões que, imitando a dor, comovem as platéias, está chegando ao fim. A máscara da dor está sendo vigorosamente retirada dos atores políticos por uma irreversível inclinação social pelas atitudes éticas e morais, compromissadas com as reais necessidades do povo. O avanço racional da sociedade começa a se distanciar de perfis mais ficcionais e do populismo, que, no Brasil, teve o clímax com o getulismo, e prosseguiu na combinação do desenvolvimentismo com política de massas de Juscelino Kubitschek, o trabalhismo de João Goulart, o estilo populista-nacionalista de Jânio Quadros, a era populista-esportiva de Médici, o olimpismo-esportivo de Collor, a demagogia do populismo-salvador da Pátria da era Lula/Dilma, para registrar apenas alguns movimentos de caráter populista.


Ademar de Barros, ícone do populismo paulista, deixou de seu Governo a marca do “rouba mas faz”. Mais tarde, essa viria a ser colada a Paulo Maluf, cujo perfil se associa ao obreirismo faraônico, tão característico que lhe emprestou um slogan muito clonado nas campanhas eleitorais: “fulano fez, fulano faz”. Ademar está no túmulo e foi purgado pelo tempo. Virou folclore e lembrança simpática. Maluf conseguiu maquiar sua cara, tirando a pá de arrogância que cobria o perfil. Hoje e doente, sob o olhar da Justiça, perdeu o viço dos seus anos de glória. Ocorre que a dose exagerada mata o cavalo, diz o ditado. Foi o que ocorreu com o marketing esportivo de Fernando Collor. O meio banalizado ficou sendo a mensagem.


DESCONFIÔMETRO


O populismo de ontem se agarrava nas emoções das massas e nas grandes mobilizações sociais. Hoje, não há condições de sobreviver. As massas estão desconfiadas e a mídia assopra brasa todo momento na grande fogueira de escândalos, despertando a atenção do mais distante cidadão. Os espectadores da cena política não querem se entregar mais às ilusões, preferindo exercitar seu espírito crítico, desmistificar o jogo dos atores e denunciar a encenação dos personagens. A política feita por esse tipo de ator não tem melhorado a vida das pessoas. Multiplica-se a violência, os serviços públicos se deterioram, o desemprego grassa, ultrapassando a casa dos 13 milhões de brasileiros, a saúde está precária, a vida se torna insuportável, economia volta a apresentar problemas depois da pior recessão econômica de nossa historia, provocada pela ex-presidente Dilma Rousseff.


Por isso, o povo quer ver um novo tipo de ator. Que chore com o coração e não com o cérebro.


A indignação popular está atingindo altos índices. E esse sentimento de revolta oxigena a democracia. Afinal de contas, como já lembrou John Stuart Mill, em Considerações sobre o Governo Representativo, há duas espécies de cidadãos: os ativos e os passivos. Os governantes preferem os segundos - pois é mais fácil dominar súditos dóceis ou indiferentes - mas a democracia necessita dos primeiros. Numa sociedade passiva, teríamos súditos transformados em ovelhas dedicadas tão somente a pastar capim uma ao lado da outra e a não reclamar nem mesmo quando o capim está escasso.


O povo brasileiro começa a distinguir quando as lágrimas saem do cérebro ou do coração. Ele não quer mais pagar tributo por um expressionismo cênico, caricatural, grotesco, mímico, que tem feito da vida pública um palco de insinceridades, sentimentos falsos, forçados ou fabricados, e do poder um altar de endeusamento pessoal. A eleição de 7 de outubro será realizada sob uma lupa social mais poderosa.

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