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A força dos Prefeitos


Os prefeitos acordaram. Depois de décadas de acomodação, regadas a mandonismo, filhotismo e votos de cabresto, a prefeitada recebeu a vacina da lei de responsabilidade fiscal, aplicada sob o olhar duro de um eleitor cada vez mais crítico e exigente. O fisiologismo histórico que tem alimentado os currais eleitorais não foi embora de todo, mas está sendo paulatinamente substituído pela cooptação eleitoral ancorada em ações substantivas, obras e projetos de interesse das comunidades. Os tempos do eleitor “maria-vai-com-as-outras” estão passando. Os prefeitos sabem muito bem que já não é mais possível governar com o lema: “para os amigos pão, para os inimigos pau”.


Parece paradoxal dizer que os prefeitos continuam a enfeixar grandes fatias de poder. Não se trata daquele tipo de poder que Victor Nunes Leal tão bem descreveu em Coronelismo, enxada e voto, um clássico sobre o mandonismo municipal: “exerce o coronel uma ampla jurisdição sobre seus dependentes, compondo rixas e desavenças e proferindo, às vezes, verdadeiros arbitramentos, que os interessados respeitam. Também enfeixam em suas mãos, com ou sem caráter oficial, extensas funções policiais, de que freqüentemente se desincumbe com sua pura ascendência social, mas que eventualmente pode tornar efetivas com o auxílio de empregados, agregados ou capangas”.


Os coronéis morreram, mas deixaram herdeiros, entre os quais centenas de prefeitos espalhados principalmente nas regiões Nordeste e Norte. Um ou outro caso pode ser contabilizado como exemplo da velha política. No geral, o que passa a predominar no cenário político é um conjunto de prefeitos mais conscientes, imbuídos do ideal de servir, atentos para os movimentos sociais e, sobretudo, preocupados com realizações. Promessas mirabolantes já não fazem a cabeça de um eleitor, cujas demandas se abrigam no terreno estreito da micro-política - a escola perto da casa, o transporte fácil e barato, a iluminação e o asfaltamento da rua, o sistema de esgoto, o alimento barato, a assistência social.


Prefeito ineficaz não se reelege e não fará o sucessor. Dinheiro até pode mudar o sentido de uma eleição, mas não tem o mesmo peso do passado. Vida limpa, passado e presente decentes, obras focadas para o interesse coletivo, transparência administrativa, enxugamento de estruturas, racionalização de processos, circulação no meio do povo, desburocratização e simplificação de serviços constituem os parâmetros modernos para a conquista do eleitorado. O dinheiro está curto e cada centavo passa a ser valorizado. Ademais, fortaleceu-se o poder crítico das bases municipais, fator que se percebe na conduta de vereadores responsáveis e conscientes do papel fiscalizador. E, para arrematar o quadro, há uma mídia denunciativa, que, mesmo em pequenos municípios, procura bem informar, interpretar e opinar criticamente.


A maior taxa de responsabilidade que incide sobre os 5.570 prefeitos do país recebe, ainda, o endosso de uma malha de conscientização e controle, inserida nas organizações intermediárias da sociedade. Se há um fenômeno que merece estudo, por sua importância no balizamento do pensamento brasileiro, é o da base da organização social. Milhares de entidades se formam e se adensam em todas as regiões, juntando grupos de interesse e de opinião, promovendo mobilização e desenvolvendo uma ampla articulação entre os eixos da grande roda social. Essa malha funciona como paredão de pressão sobre os poderes legislativo e executivo.


E por falar em pressão, a comunidade municipal exerce maior pressão sobre os prefeitos que a comunidade estadual sobre a figura do governador. Trata-se da dimensão do sistema político; quanto menor, maior é a pressão, em função da proximidade entre os agentes políticos e as bases. Isso explica, por exemplo, que governadores reeleitos, cansados e saturados, não são tão cobrados quanto prefeitos reeleitos. Há governadores que transmitem a impressão de que perderam a vontade, estão saturados, afogando o entusiasmo no silêncio de uma depressão escancarada nas faces maceradas. Prefeitos não se podem dar ao luxo do Mané do Poço, aquele da historinha: Mané caiu no poço profundo. Procura desesperadamente galgar as paredes. Está tão obcecado com a idéia de se salvar, que não vê um amigo lhe jogar uma corda. “Pegue a corda, Mané”. Mas o homem está surdo. O amigo joga uma pedra. Mané olha pra cima e grita furioso: “não me enche, não vê que estou ocupado?” E recomeça o seu trabalho como um zumbi.

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