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A comunicação pelo traje


“Aquela secretária é impecável.” “Puxa, como o chefe é esportivo.” “Você já notou como fulano é quadrado?” Eis aí três qualificações, três expressões que se pronunciam, multiplicadamente, no universo das organizações para caracterizar a tipologia humana. Conceitos sobre comportamento e estilo alimentam grande parte das conversas nas empresas. Ocorre que tais conceitos se originam a partir de um modelo de comunicação bastante precário, ou seja, as primeiras impressões que as pessoas têm das outras. Essas impressões, por sua vez, são resultantes, frequentemente, dos modelos visuais que desfilam na passarela empresarial.


Na composição do modelo visual, a vestimenta assume papel de realce. Não há dúvida sobre o fato de que o traje carrega uma retórica que põe à disposição das pessoas o sonho de mudar de identidade. Por trás de um pequeno detalhe, da cor de uma roupa, do corte, do volume, do tipo de tecido, de um adereço, milhares de pessoas procuram ser reconhecidas como “outras”, realizando, de algum modo, o sonho de uma dupla personalidade. Quando não é esse o caso, então é a lógica profissional que passa a exigir o traje adequado, para o cargo adequado, na empresa adequada.


Lógica ou sonho, a verdade é que o fenômeno da despersonalização assume fantásticas proporções no universo organizacional. Isso pode até ser consequência natural de todo um processo de descaracterização dos indivíduos que vivem numa sociedade consumista, de massa. É preciso distinguir bem os qualificativos de personalidade, pois os que são usados costumeiramente expressam impressões passageiras, com altas possibilidades de erro. Pessoas descontraídas, desenvoltas, alegres, vulgares, quadradas, sofisticadas, ajuizadas, insolentes, orgulhosas, sérias, ingênuas, tristes, alegres, equilibradas, rudes, ternas, meigas podem não ser exatamente aquilo que os outros dizem delas.


O que tem a ver isso com as empresas? Muita coisa. Na medida em que o traje confere às pessoas situação irreal, uma personalidade artificial, deriva-se um aparato de disfarce e mentira, que só pode acarretar prejuízos ao tecido administrativo-produtivo. Por trás da farsa escondem-se falhas, frustrações e incapacidade. Em médio e longo prazos, os prejuízos fatalmente cairão sobre as próprias pessoas, pois a verdade sempre fica restabelecida.


Em comunicação, a posição lógica é aproximar a identidade de uma pessoa de sua imagem. A identidade significa a personalidade, o caráter. A imagem é aquilo que ela passa para outra pessoa, a projeção extensiva da personalidade que ela pretende exibir. Quando a distância entre identidade e imagem é grande, origina-se uma dissonância, dúvida, confusão. As pessoas não sabem bem qual é a posição verdadeira de seus interlocutores.


O discurso visual – roupas, adereços, enfeites, cores, formas, detalhes, motivos, materiais, estilo, linhas, conjunto harmônico – traduz um conceito de personalidade. Nas empresas, muitos profissionais “forçam a barra” para ajustar o discurso ao ambiente, mas exageram nos traços. E os exageros tornam sua imagem bem diferente da identidade. Quer dizer, vestem-se de modo incompatível com sua personalidade.


Em algumas situações, as decisões cabem à empresa. E quando ela impõe as “camisas-de-força” dos trajes e uniformes padronizados para setores administrativos, criando um clima de inadequação, constrangimento e nivelamento visual que, no mínimo, é incompatível com as individualidades. Conheço casos de secretárias que se demitiram por conta do uniforme. Já para setores operacionais, que lidam com processos produtivos na indústria, a uniformidade passa a ser um código funcional, uma vantagem econômica e equilíbrio psicológico do grupo.


Os modelos retóricos da moda empresarial – essa é a expressão que me parece adequada – precisam levar em consideração, portanto, a liberdade individual (para os setores administrativos), o estilo e a cultura da empresa, o ambiente físico onde se localiza a unidade, o padrão de trabalho e o comportamento grupal. A procura do equilíbrio não impõe a necessidade de transfigurações, mudanças radicais no trajar.


Um ajuste da significação das pessoas pela vestimenta seria altamente desejável para as organizações. Talvez essa atitude pudesse desencadear outros processos de desmistificação, na medida em que as pessoas, sentindo-se mais elas, agissem de forma natural e autêntica, desimpedindo alguns canais de comunicação ou afastando obstáculos que atrapalham a aproximação. Em última análise, tudo isso significaria maior adequação ao trabalho, melhor entrosamento interpessoal e grupal e sinceridade de propósito.


Aos exagerados, portanto, vai o alerta. No campo feminino, os exageros são mais bem absorvidos. Para as mulheres, há também o perigo de um nivelamento muito por alto ou muito por baixo. Em ambos os casos, as luzes se acenderão, chamando a atenção. E isso nem sempre é bom. A exceção fica por conta daquelas que lutam por um foco eterno iluminando suas cabeças.


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